Fatima Husain: “Queremos entender como as pessoas lidam com o zumbido”

Investigadora principal do Laboratório de Neurociência Cognitiva Auditiva (Departamento das Ciências da Fala e da Audição da Universidade de Illinois Urbana-Champaign), a Dra. Fatima T. Husain vem conduzindo estudos sobre distúrbios da audição, tal como o zumbido, usando modelagem computacional e exames de imagem do cérebro. Convidada para ministrar aula durante o congresso Hearing & Balance (São Paulo, 6 a 8 de abril), Fatima Husain concedeu uma entrevista à Audiology Infos. A pesquisadora esclarece como imagens do cérebro estão ajudando a entender melhor o zumbido, e quais são os principais obstáculos, como por exemplo, o efeito placebo, para estudos de neuroimagem em pacientes com zumbido.

Do ponto de vista do pesquisador, quais são as especificidades do campo de zumbido?

Fatima Husain: O zumbido engana a todos. Engana os pacientes, os clínicos e os pesquisadores, porque você tem algo que somente você pode ouvir. E, como observador, eu tenho que acreditar em você. Então como você sabe que alguém tem zumbido? Se você tem pressão alta, eu posso medi-la, se você tem diabetes, também posso medi-lo; há métodos objetivos para fazer isso. E essa é a raiz da confusão quando falamos em zumbido: a falta de método objetivo para medi-lo. Portanto, nós, pesquisadores, devemos ser muito cautelosos em relação a como estudamos o zumbido, para não aumentar essa confusão!

Os exames de imagens do cérebro são o único método não invasivo para avaliar o zumbido. Medidas psicoacústicas, baseadas na apresentação de sons para o paciente caracterizar a intensidade e o pitch do zumbido são, principalmente, métodos subjetivos. Eles fornecem resultados variáveis, e pode ser necessário realizar os testes várias vezes para se obter resultados confiáveis.

Qual é o quadro geral no que diz respeito a neuroimagens e pacientes com zumbido?

Fatima Husain: O que estamos começando a ver é que diversas áreas cerebrais são ativadas de modo diferente, quando temos zumbido. Podemos observar isso quando os pacientes realizam tarefas. Os que não têm zumbido podem reagir a um som, mas os que apresentam zumbido reagem de maneira diferente. Essas reações podem ser demonstradas com neuroimagens. A segunda coisa que estamos olhando é a conectividade funcional, especialmente em estado de repouso. Trata-se de observar as conexões entre as áreas cerebrais, a fim de determinar se e como estão se comunicando. Em presença de zumbido, é possível que conexões normais tenham sido alteradas.

Neuroimagens são úteis para avaliar a variabilidade da severidade do zumbido?

Fatima Husain: Medir a variabilidade da severidade do zumbido é importante, porque essa severidade é estável para algumas pessoas, enquanto é naturalmente variável para outras. Dependendo de quando você os avalia, pode haver muita variação, sem que haja nenhuma intervenção. No futuro, deveremos ter um controle melhor sobre essa variabilidade, e as neuroimagens serão úteis para isso. Atualmente, tentamos escanear a mesma pessoa duas vezes, com uma semana entre os dois exames, para medir suas reações ao zumbido. Esses estudos em estado de repouso têm-se mostrados confiáveis na população saudável, e queremos saber se podemos encontrar dados replicáveis também na população com zumbido. Se observarmos que certos pacientes com zumbido apresentam resposta mais confiável do que outros, será que isso ocorre devido a alguma mudança em seu estado emocional? Talvez você tenha recebido notícias ruins do seu chefe, e não tenha dormido bem na noite anterior. Qualquer coisa pode alterar seu zumbido, e estamos tentando entender isso melhor. É um assunto complexo e, por isso, devemos ser o mais cautelosos possível, seja em relação ao campo de pesquisa ou aos pacientes.

Neuroimagens têm capacidade de fornecer características objetivas do zumbido, como intensidade e pitch, ou dizem respeito apenas a características psicológicas?

Fatima Husain: Atualmente, eu não acho que possamos ver muito em termos de intensidade ou pitch. Mesmo que alguns estudos estejam mostrando isso, não são estudos conclusivos. Não acredito que nossas imagens possam mostrar a diferença entre zumbido com pitch em 6 kHz e zumbido em 7 kHz. O que é mais proeminente, ou fácil de ver, é se a pessoa está incomodada ou não por ele. Assim, na minha opinião, pequenas diferenças entre as características do som não são bem visíveis com imagens. Quando observamos o cérebro, estamos olhando para volumes de 3 milímetros cúbicos. É muito tecido, com centenas de milhares de neurônios, e como todos estão respondendo a sons similares, é difícil dizer quais as diferenças entre tons ligeiramente diferentes. Quando se consideram as reações cognitivas, instigadas por alguma tarefa, essas são mais simples de mostrar com nossas ferramentas. Pode haver uma diferença em termos de pitch, mas nossas ferramentas ainda não são suficientemente sensíveis para evidenciar isso.

É problemática a interação entre perda auditiva e zumbido?

Fatima Husain: Esse é outro problema quando falamos em medir as caraterísticas físicas do zumbido. Pacientes com perda auditiva podem ter dificuldade em comparar o som externo com o som interno – zumbido –, porque eles podem não ouvir muito bem esse som externo. Também, o que acontece em termos de neuroimagens, quando há perda auditiva e zumbido, é que há alterações nas conexões entre as redes que podem ser causadas pela perda e não pelo zumbido. Portanto, temos que ser cautelosos ao atribuir corretamente essas mudanças. O pitch depende da organização topográfica das respostas aos tons apresentados, e esta organização fica comprometida quando você tem perda de audição, independentemente do zumbido.

Na minha opinião, os primeiros estudos que observaram alguma reorganização tonotópica concluíram que essa era um fator de causa do zumbido, enquanto podia ser uma consequência da perda auditiva. Essa reorganização poderia ser um fator para desenvolver zumbido, mas não acho que seja um fator para torná-lo crônico e persistente. A percepção do pitch e da intensidade pode ocorrer no tronco encefálico, ou em alguma região subcortical, e não somos muito eficientes em registrar imagens dessas regiões. Provavelmente precisamos ter ferramentas melhores para observar as pequenas estruturas do tronco encefálico.

Porque a conectividade funcional em estado de repouso é útil para estudar o zumbido?

Fatima Husain: As pessoas com zumbido constante ouvem o som o tempo todo, e, portanto, estão num estado diferente das pessoas que não tem zumbido. Isso pode ser explorado em estudos utilizando o estado de repouso. Para induzir esse estado, pedimos que os pacientes fiquem deitados e quietos, dentro do escâner e deixem sua mente vaguear… os indivíduos com zumbido ouvem um som, e podem estar atentos ao zumbido, o que os coloca em um estado diferente. É um experimento que nós permite entender muitas das redes do cérebro, aquelas associadas com audição, atenção, etc.

Seus estudos também envolvem o modelo de severidade e habituação…

Fatima Husain: Após alguns meses do início do quadro de zumbido, a pessoa pode começar a achar que tem um tumor e ir a um médico. Uma vez que o médico afastou todas as outras condições, alguns pacientes aceitam o zumbido, outros não, e continuam procurando solução. Pacientes com zumbido podem continuar indo ao audiologista, adaptar aparelhos auditivos, e submeter-se a procedimentos cirúrgicos, e, ainda assim, continuar incomodados pelo zumbido. É isso que eu quero entender. Se você considerar a intensidade do zumbido, ela pode ser igual entre duas pessoas, mas a questão é: o que faz alguns aceitá-lo, e outros não? Na realidade, 80% se habituam ao som, enquanto 20% podem não conseguir isso. Esses, que não se habituam, relatam estarem ansiosos, deprimidos, etc.. Queremos entender como as pessoas enfrentam e se habituam ao zumbido. Estamos fazendo exames de imagem, assim, podemos agora escanear os indivíduos em diferentes momentos do continuum da severidade e entendê-la melhor.

Então, neuroimagens permitem distinguir pessoas que conseguem lidar com seu zumbido daquelas que não tem sucesso nisso?

Fatima Husain: Exatamente. Sem dúvida, estamos encontrando diferenças. Os resultados em nosso laboratório parecem confiáveis quanto à severidade e ao incômodo ocasionado pelo zumbido e sua duração. Um dos motivos pelos quais os resultados das pesquisas entre laboratórios podem ser confusos é a duração do zumbido – quantos anos e meses se passaram desde seu início – e como o paciente tem reagido a ele.

Há muitas redes neuronais no cérebro. As redes atencional e emocional estão comprometidas, porque o sujeito está presta muita atenção ao zumbido, portanto, ele fica exausto, o que resulta em fadiga e dificuldades de concentração, e talvez sinais de depressão. É círculo vicioso: estou estressada, então meu zumbido fica mais alto, e fico mais estressada porque ele está mais alto. E isso se reflete nos parâmetros de neuroimagens das redes neuronais, e das conexões e suas atividades. Ambas estão alteradas.

Em nossos estudos, estamos encontrando mudanças na rede neural em modo padrão (default mode network). Essa rede é mais ativa em repouso, e é normal que seja assim. Mas achamos que ela é menos ativa em indivíduos com zumbido, e menos ativa ainda quando o zumbido está presente há mais tempo e com maior severidade. Uma das principais áreas cerebrais responsáveis pelo default mode network é o pré-cúneo, e suas conexões estão comprometidas em casos de zumbido.

Qual é o futuro das pesquisas de neuroimagens em pacientes com zumbido e quais as possíveis terapias?

Fatima Husain: Eu acho que o futuro será utilizar neuroimagens para identificar diferentes subgrupos nesse conjunto heterogêneo que é a população com zumbido. Podemos usar neuroimagens para testar terapias, cuidadosamente, e verificar qual terapia funciona para cada subgrupo. Até o momento, diferentes terapias têm sido testadas com eficácia limitada. Mas agora, podemos ver realmente o que está mudando no cérebro, é uma ferramenta muito poderosa para nós, pesquisadores e clínicos, e o desenvolvimento de novas terapias.

Em relação às terapias, devemos ter em mente duas coisas: o efeito placebo e como é importante do aconselhamento, para o tratamento eficaz de casos de zumbido severo.

O efeito placebo é forte. Se eu quero agradar meu audiologista ou meu psicólogo, digo que está tudo bem, mesmo que não esteja. Algumas vezes, o paciente está muito isolado, ninguém acredita que ele tenha zumbido e o quanto isso causa problemas no seu cotidiano. Algumas vezes, como o zumbido é invisível, não há tanta compreensão por parte da família e dos amigos em relação às dificuldades e desafios enfrentados, então quando o paciente vai ao médico, ou ao audiologista, ele se sente bem, e reduz automaticamente o incômodo, mas não tem a ver com terapia ou remédio. Portanto, aconselhamento é muito importante, e pessoas se sentem bem quando alguém dá atenção a seus problemas.

É possível que o efeito placebo interfira já nas pesquisas?

Fatima Husain: Sim, caso não se tenha o cuidado de realizar ensaios controlados e randomizados. Nem sempre é simples criar condições de controle. É fácil com remédios, porém, com algumas terapias não. Do mesmo jeito que os pesquisadores estão se tornando mais conscientes em relação a quanto o aconselhamento deveria ser considerado nas pesquisas. Portanto, no caso dos aparelhos auditivos, para controlar a situação, você deveria fornecer aconselhamento durante seis meses, sem adaptar aparelhos, mas você não pode negar tratamento a alguém, pois não seria ético. E você pode ter outro grupo controle que não tem zumbido, mas apresenta perda auditiva idêntica. Um bom ensaio clínico exige preparação, trabalho árduo e muito dinheiro.

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